quarta-feira, 28 de junho de 2017

Corte de ajuda ambiental da Noruega vai impactar vidas humanas

Hão de dizer que os brasileiros já estão vivendo tempos tão amargos por causa das crises política, econômica, institucional, que não vão se mexer na cadeira diante da questão ambiental. Hão de dizer que o fato de a Noruega  ter decidido diminuir pela metade uma ajuda que dá ao Brasil para manter a Floresta Amazônica em pé não vai mudar em nada a vida do cidadão comum. E que, no fim das contas, os noruegueses que cuidem lá de suas terras e deixem as nossas em paz.

Mas, não. A crise ambiental é mais uma e não pode ser desprezada. No mínimo, porque põe o Brasil num lugar extremamente desconfortável diante da opinião internacional. Em entrevista ao correspondente Jamil Chade, do Estadão, o ministro do meio ambiente da Noruega, Vidal Helgeser disse, de maneira bem educada, que dar dinheiro a uma nação com tantos políticos corruptos pode ser complicado. Os noruegueses têm esse tipo de precaução, legítima,  com o destino que dão ao seu dinheiro.

“Não estabelecemos qualquer indicação de que nossos fundos foram impactados por corrupção. Mas isso é algo que estamos monitorando de forma consistente. Acho que nossos controles são bons o suficiente para lidar com essa situação”, disse ele.

Além disso, o político escandinavo reiterou que “precisamos prestar contas ao nosso parlamento e ao nosso povo”. Para bom entendedor, meia palavra basta.

Foi em 2015, durante a famosa COP-21, quando foi conseguido o Acordo Climático histórico para o mundo, que a Noruega e a Alemanha assinaram um termo prorrogando o Fundo Amazônia, o tal mecanismo de financiamento de preservação à floresta que hoje está sendo reduzido. Criado em 2008, trata-se de um mecanismo com o qual países que evitem emissões de gases de efeito estufa por desmatamento recebem recompensas de países desenvolvidos por fazê-lo. Países que dão a contribuição financeira se tornam elegíveis para abater de sua própria conta de emissões o carbono que ficou armazenado na floresta protegida.

Mas as coisas passaram a não andar como era necessário para manter o acordo, e é importante ouvir a voz de especialistas a esse respeito. No site da revista eletrônica Ecodebate há um estudo de Michel Cantagalo, autor de uma tese de doutorado sobre o tema pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP em Piracicaba que, em resumo, mostra o seguinte: “As políticas ambientais pensadas para a Amazônia são paliativas e as políticas de cunho desenvolvimentistas favorecem mais aos grupos econômicos externos à região do que aos amazônidas”. Total desacordo, portanto, com projetos para deixar a floresta em pé.

Há também denúncias de omissão, por parte do estado, que não consegue combater de maneira eficaz os crimes cometidos contra o meio ambiente. Volta e meia se tem notícias de povos que vivem à beira da floresta e dão conta disso. Uma informação publicada há dez dias no site do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) pode ser um exemplo. No Maranhão, há uma aldeia chamada Pyhcop Catiji Gavião, cujos índios lutam ferrenhamente contra madeireiros ilegais. Desde o dia 13, porém, o clima na região se tornou ainda mais tenso porque os indígenas decidiram bloquear uma estrada que os madeireiros haviam feito para escoar o produto do roubo. Em represália, os madeireiros passaram a se concentrar e ameaçam invadir a aldeia.

"As mulheres e as crianças estão deixando a aldeia, indo pra outras. Estamos nós aqui prontos pra resistir, mas não queremos violência e já comunicamos as autoridades competentes que até o momento não enviaram a força policial para não permitir invasão. Sabemos que eles são bem armados", declara Cyycy Gavião. O indígena explica que os Gavião têm feitos apreensões constantes de madeira, por conta própria, porque o governo federal não toma providências. O revide dos madeireiros, portanto, acontece na habitual impunidade a este tipo de crime contra o patrimônio”, diz o texto da notícia.

Não dá para criticar, portanto, a atitude da Noruega. E é importante dizer que tirar o apoio financeiro do Fundo Amazônia significa pôr em risco vários projetos que têm dado certo. Entre eles, o do Instituto Mamirauá, criado em 1999 que apoia e desenvolve pesquisas científicas sobre biodiversidade, manejo e conservação dos recursos naturais da Amazônia. Ficam também comprometidas as pesquisas sobre desmatamento organizadas pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), através das quais se sabe exatamente onde as árvores estão sendo cortadas ilegalmente.

Em 2015, o Fundo Amazônia tinha 80 projetos aprovados que se beneficiaram da colaboração financeira dada por Noruega e Alemanha e que, na época, girava em torno de R$ 1,2 bilhão. Muitos indígenas, quilombolas, populações ribeirinhas e extrativistas estão diretamente ligados a tais benefícios.

É disso que se trata. Como se sabe, a questão ambiental hoje não vem sozinha: arrasta com ela fatores socioeconômicos. Portanto, não se trata apenas da legítima  preocupação com a extinção das onças ou de espécies da flora. Também não se está falando só de rios mais secos, oceanos mais cheios, tufões e  tempestades. Há vidas humanas, e não são poucas, que serão diretamente impactadas quando a Noruega reduzir o dinheiro do Fundo Amazônia.

E isso deve entrar na conta de um governo que esteve prestes a assinar MPs que poderiam diminuir a área preservada da Amazônia e não o fez  acatando o pedido da top model famosa Gisele Bündchen. Nada contra Bündchen ter se sensibilizado com a questão, achei ótima a iniciartiva. Mas eu gostaria de acreditar que o presidente tivesse uma equipe de especialistas capaz de informá-lo sobre a gravidade do que ele estava prestes a fazer. E que ele acatasse as vozes dessa equipe.

Imaginem vocês se, diante de um cenário como esse, governantes de um país que tem como cidadãos pessoas que controlam seus passos, vão arriscar financiar projetos ambientais. É uma pena.


Fonte: http://g1.globo.com

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